domingo, 17 de abril de 2011

O retrato de Dórian Gray

Numa dessas tardes quaisquer  a gente sai de casa na intenção de sair correndo pra ir ao banco antes que ele feche , ou mesmo poder ir ao supermercado, o que você não imagina é que no caminho existam infinitas miudezas ,velharias, sendo vendidas pelos moradores de rua que se apossam das calçadas para mostrar seus apetrechos (coisas ,miudezas que trazem poeira e história de gente que nem existe mais entre nós).  Impossível não fazer uma breve pesquisa de garimpagem com os olhos e ver algum tesouro entre tantas coisas antigas. Foi assim num dia desses que encontrei o livro entitulado "O retrato de Dórian Gray", de  Óscar Wilde.  Sempre ouví falar que este célebre autor foi magnânimo em sua época e hoje é imortalizado em sua brilhante inteligência, magnetismo e coragem. Digo isso porque me disseram que ele era Homossexual assumido e dado aos padrões da época eu acredito que deva ter histórias pessoais interessantes como tantos outros precursores desse caminho. Sim, eu me interesso pela vida sexual dos gênios, pois esse detalhe revela tanto de sua personalidade e de seus mistérios, muito mais do que imaginam os leigos. Possa ser que eu esteja equivocado com as informações que recebí. Cá pra nós: adóro o direito de me equivocar... rsr..isso me torna humano, mortal e não um Deus absoluto. E falando nisso, esse assunto da imortalidade andava me permeando os dias, só que de forma muito velada. Você acorda todos os dias, se olha no espelho , vê seu rosto, examina cada detalhe e de repente ... hummm.... parece estar mais velho, cabelos mais brancos, uma ruga nova, sei lá.   E daí começa o pesadelo, pois quem não tem chão espiritual, certamente ficará a-pa-vo-ra-do com as mudanças. Viemos pra cá com um kit completo de corpo, alma, espírito... traduzindo em miúdos: a matéria e as emoções, os sentimentos avassaladores de pulsão de vida e morte a todo instante. E num dado momento nos colocamos a analizar sobre como estamos indo e como estamos "ficando", ou nos tornando. Esse pálido retrato de tudo o que um dia fomos e que nos remete ao medo ou ao antagonismo de uma vida feliz  ou infeliz, sobretudo finita (ao menos nesse plano). Afinal, só podemos contar com a idéia que temos diante de nós. O mais é fé e esperança.  Hoje eu assistí ao filme que dá nome ao título dessa história.  É arrebatador  e nos leva a reflexão de nosso tempo. Sem querer ser repetitivo, para quem não sabe, Dórian Gray havia  se imortalizado literalmente através de uma pintura de seu rosto e não envelhecia, não levava consigo as marcas do tempo , as cicatrizes da dor e isso nos remete ao seu comportamento cada vez mais insensível diante dos mais profundos sentimentos humanos como  o amor, a compaixão, a humildade e a temperança.  Tudo  o que era feio ou mórbido ficava no quadro onde estava sua pintura que refletia toda a podridão humana, os defeitos trágicos e a horrenda imagem que ali se deplorava cada vez mais.  E não é exatamente assim que nos fazemos todos os dias? Buscamos melhorar nossa imagem, nosso cheiro, usamos roupas apropriadas para ocasiões nobres, nos esforçamos com artifícios para estarmos belos, mas se por poucos dias nos descuidássemos, poderíamos nos tornar irreconhecíveis diante de nós mesmos e altamente insuportáveis. Essa é a nossa verdadeira condição humana. E existem aqueles que quando conseguem com facilidade manter um padrão de emergentes, seja na aparência, na cultura, ou na riqueza, logo se põe a desprezar  a tudo o que não condiz com seu patamar. Isso é apregoado a todo instante e é a cartilha de sobrevivência da hipocrisia, quando renega a tudo o que lhe parece ser diferente . As pessoas costumam ficar tão boazinhas quando ficam doentes ou perto da morte. Que milagreiras são essas? As tais tão temidas irmãs: a doença e a morte, fazem verdadeiros milagres no comportamento humano, podem até levar ao homem a acreditar em Deus!!! Isso não é incrível? Pois pode acreditar. Ontem mesmo eu fui submetido a um teste, desses que a gente recebe a todo instante e nem se dá conta rsr... Quando voltei do casamento onde estive desenhando até a madrugada eu não queria gastar com taxi, o dinheiro que estava em  uma nota só,ja que eu possuía um bilhete de ônibus. Então, me despedí dos noivos, de todos os funcionários da casa de festa , fiz o sinal da cruz , recitei o Namiohorenguekyó, chamei por todos os santos e ...vamos descendo a ladeira, porque até o ponto de ônibus era muito chão. Aquele tênis preto até que é bonitinho, porém, mais desconfortável de que uma sadália de salto alto. Como eu sei disso? ah... outras vidas,meus queridos... rsr....bem, ao chegar no ponto eu encontrei um travestí desses bem fraquinhos. Vamos chamar de "ela". Ela estava bêbada, com seu copinho na mão, uma sandália que mais parecia um tamanco velho, um bustiê com dois enchimentos dentro parecendo dois limões, um pedaço de jeans em forma de minisaia que só cobria as partes na horizontal, e aquele cabelo preto desses comprados pela rua da Alfândega e depois entrelaçados de qualquer jeito. Havia tambem por alí uma garota morena que discutia com seu irmão, digo, com aquele que estava vestido de mulher. Sim, havia tambem um homem distinto que conversava com todas elas que estavam no ponto. Quando eu cheguei fiquei achando que ele era o gigolô e que as meninas eram serviçais dele. Procurei então puxar assunto. A lua estava linda, o ônibus não vinha e muito menos São Jorge com seu cavalo alado.rsrs..apenas táxis e táxis... até entontar a gente!. Foi então, que no meio da conversa nós  achamos por bem atravessarmos o bairro a pé para pegar uma condução que estava do outro lado e , fomos todos juntos conversando e, meu juíz interno ficava me buzinando na mente dizendo: 'essas pessoas são tão diferentes de você, gentinha, você nem sabe quem eles são'. E realmente não sabia, pra minha surpresa eles eram muito gente, iguais a mim e no caminho pude experimentar de seus sorrisos, de sua alegria, cumplicidade, e até de confidências. A garota era mais centrada, o irmão dela que havia se tornado travestí era mais um dos quase 15 ou 20 irmãos que nem mesmo eles sabiam  ou conheciam. Eram muito sofridos. Falei para a garota sobre o poder da oração e que ela deveria sempre clamar pela segurança do irmão(ã). Afinal, pessoas expostas dessa forma ficam mais vulneráveis aos malfeitores, nesse caso a assassinos homofóbicos, monstros á solta, covardes e incógnitos. Quando chegamos à Lapa, parecia que nem mesmo queríamos nos despedir. Eu deixei meu cartão com eles e logo seguí o caminho de casa. Essa gente linda, cheia de alma são nossos tesouros espalhados por qualquer parte, jóias raras escondidas em vasos de barro, e alguns desses vasos ja com defeito de 'queda' mas nunca de fabricação.
E foi assim que hoje, muito mais feliz me tornei ao me despir de tanta 'casca' com que aprendí a me vestir e simplesmente passei a enchergar mais o meu próximo,que muitas vezes me salva e me traz tanta alegria. Me salva de mim mesmo e de coisas que aprendí de modo equivocado.
Hoje eu saí do cinema pensativo: depois daquele filme eu observei tudo ao redor e percebí que o outro cinema que havia a um quarteirão dalí (Cine palácio), praticamente ja não existia mais. Era tão bonito, mas agora  estava com colagens de papel placas de madeira velha, todo sujo. Um dia tudo aquilo foi bonito e eu estava lá. Que grande descoberta, eu não sou o Dórian Gray, não pretendo pintar meu retrato por esses dias, mas percebo que pretendo acompanhar minha pintura da alma e a cada dia refazer uma pincelada a mais, retoques que ajudarão a tornar a imagem mais interessante, mas não necessariamente nova.  É tão triste ver que alguns artistas bem famosos tentam diante dos nossos olhos se agarrar ao tempo com comportamentos  plásticos, ou simplemente atraves de uma plástica (nada contra esse artifício, que também é uma arte). Diz um ditado que se quisermos conquistar precisamos libertar. Não seria esse o caso de libertarmos a nossa alma do tempo? Se aceitamos o casamento do tempo com nossa alma perceberemos que o corpo apenas servirá de testemunha do casamento , e ficará só por um tempo até sair de cena e deixar os noivos a sós. VOcê e o tempo formam um belo par, a novidade que nunca foi novidade é que para a alma  o tempo  é só um apelido. Na verdade seu nome é ETERNIDADE.  E quem descobrir esses mistérios agora ganhará um bônus: poderá começar esse enlace matrimonial agora mesmo, sem precisar de esperar por mais nada. A Eternidade  é o DOM JUAN das Almas. Ele tem todas elas .Foi pensando nisso que eu atentei para as pedras do passeio público ,ainda colocadas pelos escravos, será que alguem se dá conta disso? E aquele jardim tão lindo que foi local de tantos passeios nas tardes da família Real no Brasil, as árvores centenárias plantadas por nomes conhecidos de nossa história, no Jardim Botânico, no Aterro do Flamengo, os prédios, os casarios, quantas  vezes me pergunto quem morou alí, como eram suas vidas, quantas histórias viveram , o que marcou seus dias, seus sentimentos, seus ideais... sabemos que estamos aqui,mas vivemos como se antes de nós tudo fosse apenas contos de ninar, e assim dormimos em nós mesmos e fazemos questão de não nos lembrar de que a toda hora estamos a passar e deixando lugar para os que vem em seguida depois de nós e esses ja estão aqui e são a realidade de que teremos que deixar nosso posto e seguir adiante. Pois é, eu não sou Dórian Gray, mas ao menos estou me acostumando com minhas marcas, aceitando minhas imperfeições humanas, aceitando bem o sofrimento,a dor e tambem as alegrias , os sorrisos, as gargalhadas que nos trazem tantas rugas rsrs... mas que vale tanto a pena!...Nossas esperanças e nossas conquistas nos trazem a beleza da nossa real existência. Tudo o que não conseguiríamos ver com olhos nús, apenas com as lentes da alma , a caminho da Eternidade, rumo ao infinito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário